sexta-feira, 26 de julho de 2013

Memórias

Das memórias mais doces que se mantêm na minha cabeça, são aqueles dias intermináveis de Verão em que o calor era tanto, que nos refrescávamos com a mangueira. As noites, também elas quentes, eram passadas no terraço dos avós a contemplar as estrelas. Foram tantas as vezes em que o avô Eduardo disse que aquela era a Ursa Maior e a outra a Ursa Menor, tantas as vezes que disse que aquela mancha que víamos todas as noites era a estrada de S. Tiago, tantas as vezes que disse que se a lua estivesse com as pontas viradas para cima não choveria de certeza, mas que se estivessem viradas para baixo, no dia seguinte não escapávamos a uma bela molha. Mostrava-nos a lua como o desenho de uma malga, se a malga estivesse para cima estava a amparar a água e não choveria, no entanto, se estivesse mais entornada, começaria a deixar cair a água. Era linda a maneira como nos ensinava estas coisas dia após dia, ano após ano. E nós crianças irrequietas, como todas as outras, parávamos, deitávamo-nos no chão a olhar para o céu como se estivéssemos a ouvir aquela história pela primeira vez. E os olhos verde-água do avô Eduardo brilhavam tanto como as estrelas, enquanto olhava para nós, ali estendidos pelo chão do terraço.
Ainda sinto o cheiro do leite acabado de ordenhar, de cada vez que entro na casa dos avós. O cheiro a bolo acabado de fazer, o cheiro a chouriço assado. Ainda vejo a casa cheia de crianças a correr, a gritar, a chamar pela avó Tividade, a pegarem no cão e nos gatos ao colo, a dar comida às galinhas, a fazer festas ao burro e a perguntar quando é que podíamos ir andar de carroça. Lembro-me do baloiço feito com uma tábua e uma corda na pernada mais forte da nogueira do quintal, que resistiu até há bem pouco tempo, enquanto alguns diziam ao avô que devia cortar aquela pernada, que estorvava o caminho. Bastava cruzarmos os olhos de carneirinhos com os olhos do avô Eduardo, para ele gritar bem alto que a nogueira não iria sair dali e muito menos aquela pernada. "E depois onde penduramos o baloiço dos miúdos?"
Tenho pena que tempos destes não se repitam. Tenho pena de ainda não ter filhos e de não poder estar com eles deitada no chão do terraço do avô Eduardo a ouvir estas histórias. Tenho pena de não ter de ralhar com a avó Natividade por ela estar sempre a fazer as vontades todas aos miúdos.
Tenho saudades, mas isso é bom. Ter saudades, é ter memórias, é ter vivido coisas boas, é conseguir ainda sentir cheiros que jamais esquecemos e não conseguimos descrever, é ter sido muito amado, é ter amado muito e ter a certeza que jamais nos roubarão as nossas memórias e os momentos que passámos juntos. Hoje é dia dos avós. Só já tenho a presença viva da avó Natividade, mas tenho-vos a todos no coração e a certeza que caminham e continuarão a caminhar sempre a meu lado. Feliz dia dos avós.

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